Por Rivaldo Moreira Neto*
A recente aprovação da Lei do Gás na Câmara dos Deputados renovou os ânimos no setor diante da expectativa de efetiva abertura do mercado. A confirmação esperada no Senado combinada à perspectiva real de crescimento da produção a partir de reservas já descobertas e o avanço de medidas de desverticalização lançarão as bases para o desenvolvimento estrutural da cadeia de negócios do gás natural no Brasil.
A nova lei consolida o movimento iniciado com a assinatura, no ano passado, do Termo de Compromisso de Cessação (TCC) entre a Petrobras e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O documento exige ações da estatal em favor da redução da sua posição dominante, com medidas que estimulam um ambiente de negócios menos assimétrico, mais atrativo e, consequentemente, encoraja o surgimento da concorrência na comercialização. Um primeiro efeito concreto já foi observado: é grande o engajamento de consumidores industriais e de produtores e comercializadores privados na busca por efetivar negociações de suprimento.
O passo seguinte para que as novas medidas realmente se traduzam em ganhos de competitividade já a curto prazo depende do endereçamento de questões como a falta de oferta de produtos de flexibilidade e a previsibilidade quanto à abertura dos sistemas de transporte à contratação firme. O texto do PL 4.476/2020 empodera a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para buscar ações que possam estimular a concorrência na transição, o que pode significar a resolução do problema da flexibilidade. Quanto ao acesso, a atuação do regulador indica esforços para promover a entrada de terceiros aos sistemas de transporte no menor tempo possível.
Entretanto, ainda falta aos agentes já engajados um horizonte de definições que ancore negociações em andamento. Com a oferta de flexibilidade e a garantia de acesso à rede de transporte, é grande a possibilidade de aceleração da migração de consumidores ao mercado livre em estados-chave, principalmente no Sudeste.
Já para a viabilização de novas reservas que possuem potencial para dobrar a produção nacional, o desafio passa pelo desenvolvimento de projetos estruturantes na demanda. O pré-sal pede escala equivalente ao seu gigantismo – algo que o consumo atual não consegue entregar após mais de uma década de estagnação. O setor privado se organiza e negocia com produtores condições de suprimento futuro que viabilizem investimentos em cadeias produtivas do setor industrial que há muito não assistem a um anúncio de novo investimento no Brasil. Também nesses casos de consumo futuro, a aprovação da nova lei – nos termos validados na Câmara dos Deputados – será um empurrão na direção correta.
A competitividade deste novo gás existe e pode ser aproveitada também pelo setor elétrico, beneficiando um número ainda maior de consumidores. A transição para uma economia de baixo carbono é escolha já tomada no planejamento energético brasileiro, com as fontes renováveis ocupando a base fundamental da expansão na geração. Nesse contexto, o gás pode desempenhar um papel essencial, ao combinar atributos indispensáveis como energia de base, proximidade aos centros de carga e baixos custos de geração.
Atualmente isso não é plenamente possível porque os procedimentos de habilitação de usinas para os leilões de energia exigem a comprovação das reservas de gás responsáveis por seu abastecimento, num modelo que desestimula fortemente a participação de projetos novos de produção. Para tal comprovação, é necessária a aprovação da comercialidade da reserva junto à ANP, por meio da qual o produtor assume uma série de compromissos de investimento na área – antes mesmo de saber se ganhará o leilão de energia e se de fato garantirá a demanda para ao menos parte dos volumes futuros.
A resposta para que tal cenário ocorra no setor elétrico não deve passar, entretanto, pela criação de reservas artificiais de mercado, como a contratação forçada de térmicas pelo interior do Brasil, mas sim por soluções que permitam à nova oferta de gás do pré-sal competir. A possibilidade de uma declaração de comercialidade condicionada, em que o produtor de gás confirme o desenvolvimento das novas reservas apenas se o projeto de térmica sair vencedor num certame, mas dando a garantia de sua existência, pode oferecer um caminho. O que falta não é competitividade nem gasodutos, mas condições para que projetos de larga escala se apresentem à competição nos leilões. Essa questão merece atenção diante da janela de oportunidade cada vez mais apertada para o aproveitamento das riquezas do pré-sal, num contexto de avanço de políticas de descarbonização em todo o mundo e busca concomitante por menores custos tanto no mercado industrial como na geração de eletricidade.
O fato é que, até agora, o mercado não testou a capacidade competitiva do gás do pré-sal. Com os incentivos e timing decisório corretos, os resultados aparecerão e serão decisivos para que o aproveitamento desse potencial auxilie na recuperação da economia brasileira.
* Rivaldo Moreira Neto é CEO da consultoria Gas Energy.
Artigo publicado originalmente em: https://megawhat.energy/news/106799/rivaldo-moreira-neto-escreve-hora-de-testar-capacidade-competitiva-do-gas-do-pre-sal