O hidrogênio como alternativa de longo prazo para o Brasil

Algumas iniciativas a nível nacional vêm sendo discutidas com o objetivo de estabelecer políticas que incentivem o uso de combustíveis mais adequados à transição do país a um contexto de emissões de carbono cada vez menores. É o caso, por exemplo, do Programa Combustível do Futuro, que busca fortalecer o desenvolvimento tecnológico brasileiro a partir de fontes alternativas de energia. Há, ainda, o Plano Nacional do Hidrogênio, que visa consolidar a economia desse energético e abrir caminhos para seu uso em grande escala [1]. Em comum a ambas as iniciativas estão não apenas o mérito do desenvolvimento econômico, mas também a entrega dos compromissos firmados pelo Brasil para contribuir com a diminuição do aquecimento global que se apresenta.

Segundo a International Energy Agency (IEA) [2, 3], ao longo dos anos houve um notório crescimento da demanda global por hidrogênio e espera-se que ela evolua de forma acelerada no longo prazo. Atualmente, as principais aplicações do hidrogênio encontram-se na produção de amônia e no refino. Ainda segundo a agência, as aplicações em produção de combustíveis sintéticos, transporte e energia devem ser responsáveis pelo salto da demanda de 74 milhões de toneladas por ano em 2018 para 287 milhões de toneladas em 2050.

O hidrogênio no cenário energético brasileiro

Com sua já reconhecida matriz baseada em usinas hidrelétricas e, agora fortalecida pelo crescimento continuado de seus parques eólicos e solares, o Brasil esteve entre os 7 países com maior geração renovável no mundo em 2020, sendo o segundo maior nas Américas (atrás apenas dos Estados Unidos) [4]. Entretanto, dadas as limitações particulares a cada uma dessas tecnologias, como a intermitência ou dependência das chuvas, a produção de energia a partir de combustíveis fósseis ainda é essencial para garantir a produção continuada de energia.

Nesse sentido, o hidrogênio pode ter muito a contribuir para o problema da intermitência, dada a sua capacidade de armazenar energia em determinados momentos [5], compensando as deficiências características da geração eólica e solar, por exemplo. Para isso, geralmente um eletrólito converte energia elétrica em energia química, na forma de hidrogênio, quando a geração elétrica é excedente. Com o uso de tecnologias de armazenamento, o hidrogênio pode ser estocado por longos períodos e, a partir do uso de células de combustível, há a possibilidade de reconversão para eletricidade – ou ainda destinar o hidrogênio estocado para consumo em usina termelétrica. Dessa forma, o sistema elétrico ganha flexibilidade, tendo em vista a possibilidade de reconversão nos períodos de menor geração elétrica [16].

Atualmente, o hidrogênio no Brasil é obtido, principalmente, por meio da reforma a vapor do metano, sem o emprego de tecnologias de captura, utilização e armazenamento de carbono (rota cinza). Seu consumo ocorre majoritariamente em refinarias e na produção de amônia [6]. Entretanto, alguns projetos já começam a despontar no país, como os hubs de hidrogênio verde em Pecém (CE), que prevê a produção de hidrogênio a partir da eletrólise da água, e no Porto do Açu (RJ), que pretende produzir amônia verde para exportação [10].

Além disso, segundo estudo da IEA [14], o biometano pode ser um mercado potencial para o Brasil na produção de hidrogênio porque, além de reduzir as emissões, ele pode auxiliar no desenvolvimento de mercados locais devido à descentralização da produção. De acordo com a ABiogás [15], o Brasil tem potencial para a produção de cerca de 60 bilhões de m3/ano de hidrogênio a partir da reforma a seco do biogás, o que corresponderia a cerca de 8% da atual produção de hidrogênio a nível global.

No campo das políticas públicas, o Plano Nacional de Energia (PNE) 2050, aponta o hidrogênio como uma alternativa estratégica na matriz energética brasileira. As principais aplicações apresentadas sugerem a descarbonização de alguns setores, principalmente o de transportes e o da indústria química, além da sua incorporação na siderurgia. Outro ponto discutido pelo PNE 2050 foi a possível integração do hidrogênio com o gás natural para o transporte em gasodutos, frente aos desafios de transporte existentes, que englobam o alto custo da construção de redes dedicadas ao hidrogênio e a conversão da rede de transporte de gás natural para o transporte exclusivo de hidrogênio [7].

O papel do Brasil na descarbonização de outros países

Dado seu papel de liderança na geração de energia renovável e produção de biocombustíveis, é possível que no longo prazo o Brasil conquiste espaço no mercado internacional através da exportação de produtos com “selo verde”. Nesse sentido, a produção de eletrocombustíveis, ferro esponja HBI e amônia, todos descritos a seguir, podem ser consideradas algumas das principais oportunidades no Brasil na economia de baixo carbono relacionada ao hidrogênio [6].

Figura 1. Aplicações potenciais do hidrogênio de baixo carbono no Brasil.
Fonte: Santos e Ohara [6]. Adaptação Gas Energy.

Eletrocombustíveis

Os eletrocombustíveis são produzidos pela reação entre H2 e CO2 capturado. Entre as principais vantagens da sua utilização, estão a facilidade de armazenamento e integração com a estrutura logística para transporte. Entretanto, os custos associados ao processamento são maiores em comparação aos combustíveis convencionais e ocorrem mais perdas de eficiência [8].

Ferro Esponja

A siderurgia é considerada uma das indústrias mais poluentes devido ao seu alto consumo de combustíveis fósseis, principalmente do carvão. Diante disso, um dos possíveis empregos do hidrogênio encontra-se da produção de ferro esponja HBI (Hot Briquetted Iron) como alternativa às rotas de produção que empregam o alto-forno e reatores a gás natural. Além disso, o Brasil está bem colocado no cenário mundial de suprimento de minério de ferro, o que potencializa ainda mais a condição de tornar-se protagonista na siderurgia de baixo carbono [6].

Amônia

A amônia é um meio de armazenamento de hidrogênio vantajoso em vários aspectos: tem uma densidade do combustível bastante elevada (123 kg/m³ na forma líquida a 10 bar), e sua síntese, manuseio, e o transporte são largamente difundidos. Uma das principais vantagens da sua utilização está na facilidade de transporte e na reversibilidade do processo, podendo ser transformada em hidrogênio novamente. Isso facilitaria o transporte em vista da baixa densidade energética do hidrogênio [9].

Além disso, no processo de síntese da amônia, o hidrogênio é o responsável por cerca de 90% das emissões. Nesse sentido, a utilização do hidrogênio proveniente das rotas azul e verde, de baixo carbono, pode ser uma alternativa de mitigação de emissões no setor [11]. Dentre as aplicações da amônia, pode-se destacar o emprego como fertilizante ou como matéria-prima na produção de fertilizantes nitrogenados [12], o que abre espaço para o desenvolvimento do mercado local de amônia de baixo carbono, já que o consumo de fertilizantes no Brasil é superior à sua produção [13].

Considerações finais

Apesar de ainda não possuir um mercado global consolidado, o hidrogênio apresenta-se como um dos principais agentes da transição energética. Assim, espera-se que novos marcos regulatórios e programas voltados para o desenvolvimento de fontes alternativas de energia avancem especialmente em países como o Brasil, que pode se beneficiar enormemente.

No entanto, o aproveitamento de todo o potencial já visualizado para o hidrogênio ainda está condicionado, principalmente, ao desenvolvimento tecnológico, necessário, por exemplo, para aumentar a vida útil de equipamentos utilizados nos processos de produção e, consequentemente, na redução dos custos associados a ela.

Ao mesmo tempo, já é possível notar a movimentação de segmentos industriais relevantes em busca de alternativas para sua matriz energética de longo prazo. Dessa forma, a busca pela sustentabilidade – que alia o desenvolvimento social, econômico e ambiental – caminha na direção da nossa realidade, mesmo que, ainda, a passos pequenos.

Referências

[1] CNPE propõe diretrizes para o Programa Nacional do Hidrogênio. Ministério da Economia, 20 abr. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2021/abril/cnpe-propoe-diretrizes-para-o-programa-nacional-do-hidrogenio. Acesso em: 02 ago. 2021.

[2] INTERNATIONAL ENERGY AGENCY – IEA. The future of hydrogen. Disponível em: https://www.iea.org/reports/the-future-of-hydrogen. Acesso em: 02 ago. 2021.

[3] INTERNATIONAL ENERGY AGENCY – IEA. Global hydrogen demand by sector in the sustainable development scenario, 2019-2070. Disponível em: https://www.iea.org/data-and-statistics/charts/global-hydrogen-demand-by-sector-in-the-sustainable-development-scenario-2019-2070. Acesso em: 02 ago. 2021.

[4] BP. Energy outlook downloads and archive. Disponível em: https://www.bp.com/en/global/corporate/energy-economics/energy-outlook/energy-outlook-downloads.html. Acesso em: 02 ago. 2021.

[5] CABEZAS, M. D. et al. Hydrogen vector for using PV energy obtained at Esperanza Base, Antarctica. International Journal of Hydrogen Energy, v. 42, ed. 37, p. 23455-23463, set. 2017. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S036031991730770X?via%3Dihub. Acesso em: 02 ago. 2021

[6] SANTOS, V.; OHARA, A. Desafios e oportunidades para o Brasil com o hidrogênio verde. Disponível em: https://br.boell.org/sites/default/files/2021-05/Relatorio_Hidrogenio_Verde_Boll_FINAL.pdf?dimension1=no. Acesso em: 02 ago. 2021.

[7] EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA – EPE. Bases para a consolidação da estratégia brasileira do hidrogênio. Disponível em: https://www.epe.gov.br/sites-pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/PublicacoesArquivos/publicacao-569/Hidroge%CC%82nio_23Fev2021NT%20(2).pdf. Acesso em: 02 ago. 2021.

[8] INTERNATOINAL RENEWABLE ENERGY AGENCY – IRENA. Hydrogen: A renewable energy perspective. Disponível em: https://www.irena.org/publications/2019/Sep/Hydrogen-A-renewable-energy-perspective. Acesso em: 02 ago. 2021.

[9] THOMAS, G.; PARKS, G. Potential roles of ammonia in a hydrogen economy. Disponível em: https://www.energy.gov/sites/prod/files/2015/01/f19/fcto_nh3_h2_storage_white_paper_2006.pdf. Acesso em: 02 ago. 2021.

[10] INTERNATIONAL PARTNERSHIP FOR HYDROGEN AND FUEL CELLS IN THE ECONOMY – IPHE. Brazil. Disponível em: <https://www.iphe.net/brazil>. Acesso em: 02 ago. 2021.

[11] THE ROYAL SOCIETY. Ammonia: zero-carbon fertilizer, fuel and energy store. Disponível em: https://royalsociety.org/-/media/policy/projects/green-ammonia/green-ammonia-policy-briefing.pdf. Acesso em: 09 ago. 2021.

[12] U.S. ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION. Natural gas weekly update. 31 mar. 2021. Disponível em: https://www.eia.gov/naturalgas/weekly/archivenew_ngwu/2021/04_01/. Acesso em: 10 ago. 2021.

[13] G1. Primeiro semestre de 2021 tem recorde na importação de fertilizantes. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2021/07/13/primeiro-semestre-de-2021-tem-recorde-na-importacao-de-fertilizantes.ghtml. Acesso em: 10 ago. 2021.

[14] IEA. Hydrogen in Latin America from near-term opportunities to large-scale deployment. Disponível em: https://iea.blob.core.windows.net/assets/65d4d887-c04d-4a1b-8d4c-2bec908a1737/IEA_HydrogeninLatinAmerica_Fullreport.pdf. Acesso em: 18 ago. 2021.

[15] ABIOGÁS. ABiogás News. Mai. 2021. Disponível em: https://abiogas.org.br/abiogas-news-maio-2021/. Acesso em: 18 ago. 2021.

[16] AMROUCHE, S. O. et al. Overview of energy storage in renewable energy systems. International Journal of Hydrogen Energy, v. 41, ed. 45, p. 20914-20927, dez. 2016. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0360319916309478?casa_token=BFB33nWTTGEAAAAA:YshS8Frq-NTOpn6vbEtN_MJ–6GeR9VYR8qYP1nfdy43F8jaf8roYvhNWxoA4gdB00a4CgxS39wH. Acesso em: 23 ago. 2021.

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