Os desafios da armazenagem e transporte de hidrogênio em larga escala

Contextualização

A pauta da transição energética é global. A ampliação do senso de urgência apresentado pelos organismos e instituições multilaterais tem orientado políticas governamentais e rotas de desenvolvimento de tecnologias, com os consumidores cada vez mais interessados em produtos e empresas que contribuem para a redução de emissão de gases de efeito estufa. A médio e longo prazos, a expectativa é que as energias renováveis apresentem ganho ainda mais relevante de share na matriz energética mundial para os diversos segmentos [1].

A disponibilidade de novas tecnologias, aliado ao ganho de escala dos últimos anos, vêm permitindo o avanço de fontes como a eólica e a solar. Para o futuro, o hidrogênio “limpo” poderá se somar a essas fontes de energia e desempenhar um papel fundamental para a transição a um mundo descarbonizado. Segundo o cenário apresentado pela IEA (2020a) [2], o mercado de hidrogênio apresenta uma configuração que tende a mudar nas próximas décadas. Espera-se um aumento no uso de hidrogênio no transporte, geração de energia e produção de combustíveis sintéticos. Em contrapartida, há uma redução no uso de hidrogênio em refinarias, segmento que continuará, no entanto, representando quase 50% do mercado global até o final da década.

Figura 1. Projeção da demanda global de hidrogênio puro.
Fonte: IEA [2]. Elaboração Gas Energy.

Para que esta transformação avance ainda mais rapidamente, o armazenamento e transporte de hidrogênio são pontos-chave para a consolidação de um mercado global do combustível.

Tecnologias para a armazenagem de Hidrogênio

Há diversas opções possíveis para o armazenamento do hidrogênio. Porém, os processos não deixam de ser desafiadores, principalmente pela densidade do combustível, que é muito baixa. O armazenamento em estado gasoso já tem escala comercial quando feito em cavernas de sal, o que requer condições geológicas adequadas. As características físico-químicas do hidrogênio gasoso obrigam os produtores a usarem processos para reduzirem o volume do gás e dar mais segurança ao transporte e seu manuseio, o que envolverá o aumento de sua densidade [3].

Existem diversos processos para permitir que o hidrogênio possa ser armazenado e/ou transportado e estar pronto para ser consumido comercialmente. Conforme pode ser visto na Figura 2, os métodos apresentados são a combinação do hidrogênio com hidretos metálicos, através de aditivos ou com hidretos químicos, através de um catalisador. A adsorção, a liquefação ou a compressão do hidrogênio também são alternativas [3].

Figura 2. Processo para obter o hidrogênio comercial.
Fonte: Anderson & Grönkvist [3].

A armazenagem na forma gasosa ou líquida são atualmente as únicas categorias empregadas em escalas mais significativas. Abaixo apresentamos as várias possibilidades descritas na figura acima:

Hidretos Metálicos

A ligação química do hidrogênio aos hidretos metálicos é mais forte do que as ligações envolvidas na adsorção de hidrogênio, o que permite a sua armazenagem. A liberação do hidrogênio em hidretos metálicos pode ocorrer via termólise (aquecimento) ou hidrólise (reação com água), sendo que o segundo apresentou pouco sucesso nos testes já realizados e apresenta o desafio de captação de água [3]. A alternativa de hidretos metálicos consiste em armazenar o hidrogênio no estado sólido, tecnologia que foi inicialmente desenvolvida nos Estados Unidos. Esta rota incentivou o desenvolvimento de baterias em que o hidrogênio é absorvido em uma liga, como as baterias de níquel-hidretos metálicos, que são utilizadas em eletrônicos como celulares e câmeras digitais [8] [9]. Atualmente, os hidretos metálicos estão sendo foco de estudos e desenvolvimentos em um projeto da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com a finalidade de otimizar a tecnologia [10].

Hidretos Químicos

As propriedades dos hidretos químicos são extremamente diferentes das dos hidretos metálicos, sendo a principal que, em casos de condições normais, os hidretos químicos se encontram em estado líquido. A associação do hidrogênio aos hidretos químicos também se encontra em estado líquido, o que simplifica o seu transporte e a sua armazenagem. Portanto, os hidretos químicos sugeridos para a armazenagem de hidrogênio são produtos químicos frequentemente sintetizados a partir do gás natural, como o metanol e a amônia. A circunstância de já existir uma infraestrutura, ajuda na viabilização da produção e utilização desses produtos químicos [3].

Adsorção

O processo de adsorção envolve a ligação entre o hidrogênio molecular e um outro material, comumente o nitrogênio líquido. Esta rota ainda está em fase de desenvolvimento e estudos preliminares. Até o momento, os adsorventes mais bem sucedidos foram alguns carvões ativados e estruturas metal-orgânicas [3].

Liquefação

A liquefação do hidrogênio apresenta vantagens substanciais, pois, nesse caso, o hidrogênio tem a sua densidade aumentada fortemente (em cerca de 833 vezes – ver Figura 3). No entanto, esse processo consome muita energia para chegar ao ponto de ebulição (extremamente baixo) do hidrogênio. Com o hidrogênio liquefeito, o armazenamento deve ser realizado em tanques criogênicos de estrutura complexa para minimizar a sua evaporação [3].

Compressão

O sistema de armazenagem de gás hidrogênio comprimido exige um alto capital investido, devido à necessidade de aumentar a sua densidade e o comprimir a pressão suficiente para armazená-lo em cilindros ou em depósitos subterrâneos de forma segura [3]. A alternativa de compressão apresenta as mesmas características já conhecidas para o gás natural, sendo o uso de cilindros interessantes para o transporte rodoviário e como tanque de veículos. Já os depósitos subterrâneos seguem racional já conhecido da estocagem subterrânea de gás natural, sendo uma saída para armazenar o combustível em elevadas proporções.

Outra forma de comprimir o hidrogênio e que é muito relevante no armazenamento e transporte de grandes quantidades do combustível é o uso de compressores para injeção em gasodutos. Para se ter uma dimensão, pode-se armazenar até 12 toneladas de hidrogênio por km de gasodutos. Entretanto, a construção de infraestrutura dedicada ao hidrogênio é mais dispendiosa do que outros gases (como o gás natural) por necessitar de processos que aumentem a margem de segurança da armazenagem [3].

Principais alternativas para o transporte transoceânico do Hidrogênio

A aplicação de certas tecnologias de armazenamento, como hidrogênio líquido, metanol e amônia são considerados vantajosos em termos de densidade e custo de armazenamento e segurança.

Conforme já destacado anteriormente, o processo de liquefação (condensação) do hidrogênio puro aumenta muitas vezes a sua densidade. A densidade do hidrogênio líquido saturado é de 70 kg/m³, mantendo-se a 1 bar (pressão atmosférica), conforme é apresentado na Figura 3. A redução substancial do volume original é uma vantagem para o seu armazenamento. Já o transporte tem que ser mantido em condições criogênicas (-253°C). Estuda-se o compartilhamento das instalações de GNL, terminais e navios adaptados a essas condições [3] em países como Alemanha e Inglaterra [11] [12].

Figura 3. Processo de Liquefação do Hidrogênio.
Fonte: Anderson & Grönkvist [3]. Elaboração Gas Energy.

O metanol (CH3OH) é o álcool mais simples com capacidades de armazenamento de hidrogênio de 12,5% (do peso) e 99 kg/m³, respectivamente, apresentado na Figura 4. A forma mais comum para produzir metanol a partir de energia renovável é por meio da hidrogenação do dióxido de carbono (CO2). O metanol tem ampla utilização nas indústrias, como de combustível, tinta, olefinas, MDF, silicones, biodiesel, entre muitas outras. É considerado um intermediário químico altamente versátil, porém é uma substância corrosiva e tóxica [3].

Figura 4. Proceso de Produção do Metanol.
Fonte: Anderson & Grönkvist. [3]. Elaboração Gas Energy.

A amônia (NH3) é um meio de armazenamento de hidrogênio vantajoso em vários aspectos: tem uma densidade de armazenamento de hidrogênio muito alta 123 kg/m³ na forma líquida a 10 bar, e sua síntese, manuseio, e transporte são largamente difundidos. Projetos de conversão do hidrogênio e da amônia vêm sendo estudados e desenvolvidos em diversos países, como na Alemanha, país que apresenta uma infraestrutura com recursos suficientes para auxiliar no aumento da utilização do energético [13].

Para o transporte intercontinental, o método menos dispendioso é, de fato, converter o hidrogênio em amônia e optar pelo modal marítimo [7].

Figura 5. Processo de Síntese da Amônia.
Fonte: Anderson & Grönkvist [3]. Elaboração Gas Energy.

Transporte de Hidrogênio por gasodutos

A opção mais indicada, tecnicamente, para o transporte do hidrogênio em dutos é a construção de uma infraestrutura nova e exclusiva para o H2 puro, como já existe – ainda que de forma bastante limitada – nos EUA, Alemanha, Holanda, França e Bélgica. Entretanto, essa é uma opção que exige altos investimentos [5].

Uma alternativa para viabilizar o transporte do hidrogênio por dutos para as regiões demandantes é o reaproveitamento da rede de transporte de gás natural, processo que ainda está em fase inicial de estudos. Até então, o que já foi possível confirmar é que é segura a injeção de hidrogênio para uma mistura com o gás natural. Os níveis indicados, porém, podem variar a depender da aplicação. Em princípio, uma concentração segura é de 10% de hidrogênio no volume total, conforme pode ser visualizado abaixo na Figura 6 [4]. Os principais projetos pilotos estão sendo realizados na Europa.

Figura 6. Tolêrancia admissível de alguns componentes da infraestrutura de gás.
Fonte: IRENA [4]. Elaboração Gas Energy.

O reaproveitamento da estrutura de gás natural existente tem o viés de acelerar a utilização e, consequentemente. os ganhos que virão com a maior escala na sua utilização. Entretanto, ainda são muitas as dúvidas: não estão claros os efeitos a longo prazo na estrutura e as questões regulatórias também são incertas [5] [6]. Pensando em grandes volumes, trata-se do modal mais competitivo [7].

O que podemos concluir sobre a armazenagem e transporte de H2?

A escolha da melhor tecnologia para a armazenagem depende do tipo de aplicação e do contexto específico de cada situação. Diversas maneiras já se apresentaram viáveis tecnicamente para armazenar o hidrogênio, mas poucas são as opções que atingiram maturidade técnica e, consequentemente, maturidade comercial para utilização em grande escala.

A maioria das opções ainda se encontra em fase de estudos e desenvolvimento. O espaço para progressos, no entanto, é imenso. É importante salientar que uma determinada aplicação do hidrogênio pode influenciar regionalmente no método de armazenagem, de modo a se atingir economia de escala.

O transporte do hidrogênio, por sua vez, é dependente do seu modo de armazenagem e apresenta diversas opções de modais que serão mais ou menos aderentes de acordo com o contexto específico e o volume a ser transportado.  O avanço das pesquisas em armazenagem e transporte seguirão sendo ponto central para a confirmação do hidrogênio como alternativa global e/ou local para a transição a uma economia descarbonizada.

Referências

[1] BP ENERGY. Energy Outlook 2020 edition. 2020. Disponível em: https://www.bp.com/content/dam/bp/business-sites/en/global/corporate/pdfs/energy-economics/energy-outlook/bp-energy-outlook-2020.pdf. Acesso em: 06 ago. 2021.

[2] IEA. Energy Technology Perspectives 2020 – Analysis – IEA. 2020. Disponível em: https://iea.blob.core.windows.net/assets/7f8aed40-89af-4348-be19-c8a67df0b9ea/Energy_Technology_Perspectives_2020_PDF.pdf. Acesso em: 06 ago. 2021.

[3] ANDERSSON, Joakim; GRÖNKVIST, Stefan. Large-scale storage of hydrogen. International journal of hydrogen energy, v. 44, n. 23, p. 11901-11919, 2019. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0360319919310195. Acesso em: 06 ago. 2021.

[4] TAIBI, Emanuele et al. Hydrogen from renewable power: Technology outlook for the energy transition. 2018. Disponível em: https://www.irena.org/-/media/Files/IRENA/Agency/Publication/2018/Sep/IRENA_Hydrogen_from_renewable_power_2018.pdf. Acesso em: 06 ago. 2021.

[5] TAVARES, Amanda. Ensaio Energético: O papel do transporte de gás natural na transição energética. 2021. Disponível em: https://ensaioenergetico.com.br/o-papel-do-transporte-de-gas-natural-na-transicao-energetica/?utm_source=mailpoet&utm_medium=email&utm_campaign=newsletter-post-title_1. Acesso em: 06 ago. 2021.

[6] GAZ, Reseau Distribution France-GRDF et al. Technical and economic conditions for injecting hydrogen into natural gas networks – Final report June 2019. 2019. Disponível em: https://www.elengy.com/images/Technical-economic-conditions-for-injecting-hydrogen-into-natural-gas-networks-report2019.pdf. Acesso em: 06 ago. 2021.

[7] BLOOMBERGNEF. Hydrogen Economy Outlook, Key messages 2020. 2020. Disponível em: https://data.bloomberglp.com/professional/sites/24/BNEF-Hydrogen-Economy-Outlook-Key-Messages-30-Mar-2020.pdf. Acesso em: 06 ago. 2021.

[8] SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL. Abastecendo com hidrogênio: O desafio de armazenar hidrogênio em veículos com célula a combustível numa quantidade que permita viagens longas. Disponível em: https://sciam.com.br/abastecendo-com-hidrogenio/. Acesso em: 06 ago. 2021.

[9] AMBROSIO, Renato Canha; TICIANELLI, Edson Antonio. Baterias de níquel-hidreto metálico, uma alternativa para as baterias de níquel-cádmio. Química Nova, v. 24, n. 2, p. 243-246, 2001. Disponível em: https://www.scielo.br/j/qn/a/NcSrLNz7h6fbmySd3Lfchzz/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 06 ago. 2021.

[10] CENTRO DE INFORMAÇÃO METAL MECÂNICA. UFSCar pesquisa novos materiais para armazenagem de hidrogênio. 2019. Disponível em: https://www.cimm.com.br/portal/noticia/exibir_noticia/18272-ufscar-pesquisa-novos-materiais-para-armazenagem-de-hidrogenio. Acesso em: 06 ago. 2021.

[11] MATALUCCI, Sergio. PV Magazine, LNG and hydrogen – untangling a complex relationship. 2021. Disponível em: https://www.pv-magazine.com/2021/07/02/lng-and-hydrogen-untangling-a-complex-relationship/. Acesso em: 06 ago. 2021.

[12] SHIRYAEVSKAYA, Anna. Hydrogen’s future may follow path blazed by natural gas. 2020. Disponível em: https://www.japantimes.co.jp/news/2020/07/31/business/hydrogen-natural-gas/. Acesso em: 06 ago. 2021.

[13] BRASILIEN. Um transporte mais limpo e acessível: A transformação de hidrogênio em amônia e vice-versa. 2020. Disponível em: https://brasilien.rio.ahk.de/pt/news/news-details/um-transporte-mais-limpo-e-acessivel-a-transformacao-de-hidrogenio-em-amonia-e-vice-versa. Acesso em: 06 ago. 2021.

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