As mudanças climáticas causadas pelas emissões antropogênicas de gases de efeito estufa (GEEs) têm servido como força motriz de movimentos globais, como o Acordo de Paris, que desenvolveu mecanismos para os 196 países signatários reduzirem suas emissões, a fim de conter o aquecimento global. Para que esse cenário se concretize, é necessário que a matriz energética que move o mundo – hoje 81,2% oriunda de fontes não renováveis (IEA) [1] – transite para um equilíbrio descarbonizado. Segundo o roteiro realizado pela Agência Internacional de Energia (IEA) [2], para chegarmos a emissões líquidas zeradas em 2050, será necessária uma transição rápida para pautada por geração de energia eólica e solar, além de grandes inovações tecnológicas envolvendo baterias, eletrolisadores de hidrogênio e captura/armazenamento de carbono (do inglês Carbon Capture and Storage – CCS).
A CCS é uma tecnologia que previne o dióxido de carbono (CO2) de ser lançado para atmosfera de alguma fonte geradora, tais como indústrias, geradores de energia com base fóssil e plataformas de exploração de petróleo. Após o carbono ser capturado, ele é purificado e condicionado para transporte através de dutos, navios ou caminhões para posterior injeção e armazenagem em cavernas de sal ou injeção em poços de petróleo e gás para incremento na produção (Figura 1).
Conforme indicado na Figura 1, cada etapa da cadeia apresenta um ator principal atualmente: Processamento de gás natural na captura do carbono (inclui tanto a captura em unidades de processamento de gás natural (UPGN) quanto nas próprias plataformas de exploração e produção), dutos no elo de transporte e recuperação de óleo e gás na etapa de armazenamento. Na sequência, discute-se a relevância e aplicação de cada um em suas respectivas etapas.
Quais as principais tecnologias de captura?
Existem várias tecnologias de captura de carbono, muitas das quais ainda em fase de pesquisa. As principais já em escala industrial, segundo o Global CCS Institute [3] são: absorção química, separação física e separação por membrana.
A absorção química é uma reação entre o CO2 e um solvente químico, sendo a técnica com solventes à base de aminas a tecnologia mais madura. Já a separação física tem como base a adsorção física usando um solvente líquido. Neste processo, após a captura por meio de um adsorvente, o CO2 é liberado pelo aumento da temperatura ou pressão. Por fim, a separação por membrana é baseada em dispositivos poliméricos ou inorgânicos (membranas) com alta seletividade de CO2, ou seja, permite a passagem de CO2, mas atua como barreira para outros gases. A Petrobras possui uma planta de CCS com separação de membrana localizada em alto mar desde 2013, na qual o CO2 é separado do gás associado ao petróleo nos campos de Lula e Sapinhoá através da tecnologia de separação por membrana a 300 km da costa [4]. O CO2 é então reinjetado no reservatório do Pré-Sal em quantidade que pode chegar a 3 milhões de toneladas por ano.
Também existem tecnologias promissoras para a indústria como a Separação Direta e Ciclo de Energia Supercrítico de CO2. Segundo a IEA [4], na indústria do cimento existe uma tecnologia de captura em desenvolvimento chamada Separação Direta que envolve a captura de CO2 do processo de produção de cimento por aquecimento indireto do calcário. Essa tecnologia retira o CO2 diretamente do calcário, sem misturá-lo com outros gases de combustão, reduzindo consideravelmente os custos de energia relacionados à separação dos gases. Operando desde 2019, existe uma planta-piloto de Cal e Cimento de Baixa Intensidade de Emissões em Lixhe, Bélgica. Já no setor termelétrico, existe tecnologia em fase de protótipo chamada de Ciclo de Energia Supercrítico de CO2 – estado em que a molécula se encontra acima do ponto crítico de pressão e temperatura, coexistindo as fases gasosa e líquida. As turbinas de CO2 supercríticas usam oxigênio quase puro para queimar o combustível, a fim de obter um gás de combustão composto apenas de CO2 e vapor. Dois projetos de protótipo com ciclos de energia supercríticos de CO2 estão atualmente em operação: o ciclo Allam da NET Power e o ciclo Trigen Clean Energy Systems (CES) [4].
Quais as principais tecnologias de transporte?
O transporte de CO2 da fonte para os pontos de armazenamento é usualmente realizada a partir da sua compressão e transporte por dutos dedicados. Existem casos de transporte via caminhões, navios e trens, mas ainda em escala reduzida. Na Noruega, por exemplo, existe um duto offshore de 153 km para transporte de uma UPGN, que separa o CO2 do gás natural, até uma camada geológica de arenito poroso a 2.500 metros abaixo do fundo do mar, com capacidade de armazenamento de 700 mil toneladas de dióxido de carbono por ano [5]. Em termos de perspectiva futura, o transporte por dutos deve se manter como o principal modal.
Quais as principais tecnologias de armazenamento?
Conforme o Global CCS Institute [3], o dióxido de carbono é tipicamente comprimido acima de 100 bar para ter margem de segurança para que o gás chegue no reservatório com no mínimo 74 bar, pressão na qual o CO2 apresenta densidade próxima da água. As formações geológicas de estocagem devem estar no mínimo a 800 metros de profundidade para manter a pressão no gás. O dióxido de carbono é, então, estocado em formações que naturalmente contém água, óleo ou gás. Campos depletados e cavernas de sal são destino natural, assim como sua utilização para elevar/acelerar a recuperação de petróleo.
Esta última é uma tecnologia antiga e muito utilizada no Brasil para viabilizar a exploração de grandes jazidas de petróleo e gás com quantidade significativa de CO2 associado. O armazenamento em campos de petróleo e gás esgotados usa as mesmas técnicas da tecnologia de recuperação, mas ainda está em fase de projeto piloto. Já o envio para cavernas de sal foi aplicado nos primeiros projetos de CCS com o único objetivo de mitigar as emissões – a técnica é aplicada desde 1996. Ainda segundo o Global CCS Institute [3], as tecnologias que podem ter mais relevância no futuro serão as de armazenamento em campos esgotados e em cavernas de sal, pois estas focam exclusivamente na captura de CO2 enquanto na tecnologia de recuperação a captura é algo secundário (o foco é a exploração do campo).
CCS e a Produção de Hidrogênio
A captura do carbono é componente importante da produção de hidrogênio de baixo carbono. A rota azul, por exemplo, é dada pela reforma a vapor do metano proveniente do gás natural com a captura e armazenamento do CO2 conforme a Figura 2 indica:
A eficiência das tecnologias aplicadas na captura de CO2 variam entre 85% e 95% [8]. Segundo a IEA[10], o custo do hidrogênio azul na América Latina é de aproximadamente US$ 1,77 por kg de hidrogênio.
A produção de hidrogênio no Brasil é realizada majoritariamente em refinarias e fafens (fábricas de fertilizantes nitrogenados) usando fontes fósseis, que, segundo levantamento da IEA [10], em 2019 emitiu 4 milhões de toneladas de CO2. A agência ainda destaca o grande potencial de fazer um retrofitting (reajuste) nas plantas de hidrogênio existentes com a adição de tecnologias de captura de carbono, alavancando assim a produção de hidrogênio de baixo carbono, havendo potencial para a criação de CCS especialmente nos estados do Rio de Janeiro, Pernambuco e Ceará.
Status mundial da CCS
Segundo a IEA [4], atualmente a capacidade de captura das instalações de CCS global é de aproximadamente 40 milhões de toneladas por ano em 26 plantas comerciais em operação [5], tendo como principal segmento o processamento de gás natural. A capacidade instalada triplicou entre 2010 e 2020, alavancada pelos segmentos de processamento de gás natural, hidrogênio e geração de energia (Figura 3).
Destaca-se na Figura 3 a capacidade da planta da Petrobras de 3 milhões de toneladas de CO2 por ano. Conforme o CO2RE [6], das 26 plantas comerciais em operação, 12 encontram-se nos Estados Unidos. Das 34 plantas em desenvolvimento, Estados Unidos, Reino Unido e Austrália lideram com 18, 7 e 2 projetos respectivamente (ver Figura 4).
Custo da captura de carbono
O custo de captura de dióxido de carbono é inversamente proporcional à pressão parcial de CO2 na mistura de gases, ou seja, quanto maior a pressão parcial de CO2 menores são os custos de captura. A pressão exercida por um gás individual em uma mistura é conhecida como pressão parcial, ou seja, a pressão total de uma mistura de gases é igual à soma das pressões parciais dos gases componentes. A pressão parcial depende da fonte de geração da mistura de gases onde o CO2 se encontra. Por exemplo, nas UPGNs a pressão parcial é tipicamente maior que 5000 kPa (kilo Pascal) em base úmida e em exaustão de termelétrica de gás natural de ciclo combinado é tipicamente 4 kPa. A Figura 5 apresenta a relação de custos de captura por segmento [3].
Nota-se que os menores custos estão nas Unidades de Processamento de Gás Natural, Fabricas de Fertilizantes Nitrogenados, Usinas de etanol e refinarias. Além do custo de captura, existe o custo de compressão e condicionamento, transporte e monitoramento do reservatório. No entanto, estes são muito específicos para cada projeto.
Perspectivas futuras
As projeções para o segmento de captura de carbono indicam não só o desenvolvimento do armazenamento, mas também para a utilização do CO2 em diversas aplicações (Carbon Capture, Utilization and Storage – CCUS). O CO2 capturado pode produzir plásticos, concreto, reagentes químicos e combustíveis sintéticos. Entretanto as tecnologias para essas aplicações não estão maduras e tem um alto custo energético.
A projeção feita pela IEA [7] a respeito da transição para emissões líquidas zero (Net-zero emissions) divide o desenvolvimento do setor de CCUS em duas etapas (Figura 6):
- 2020-2030: Foco na captura de emissões de usinas e fábricas existentes, tais como termelétricas a carvão, fábricas de fertilizantes, cimento e siderúrgicas.
- 2030-2050: Foco em térmicas a gás natural, indústria petroquímica e na indústria de produção de hidrogênio a partir de gás natural.
Observa-se o maior crescimento de captura no setor termelétrico, primeiramente para carvão e posteriormente para gás natural. A tendência é que o setor termelétrico (gás natural e carvão) se torne o principal ator na etapa de captura, título pertencente atualmente ao setor de exploração de óleo e gás.
O CCUS será essencial para cumprir as ambições do Acordo de Paris e para limitar os aumentos de temperatura futuros abaixo de 2 °C. A tecnologia foi testada em múltiplas aplicações e agora deve formar uma parte importante das estratégias globais de energia e clima, podendo ter papel fundamental na produção de hidrogênio pela rota azul, inclusive.
O ritmo e a intensidade com que os governos e o setor privado agirão para fortalecer as políticas visando o cumprimento das metas do Acordo de Paris terão um papel crítico na determinação do que os próximos 30 anos de aplicação da tecnologia CCUS proporcionarão.
Referências
[1] IEA. Data and statistics. Disponível em: https://www.iea.org/data-and-statistics. Acesso em: 25 jul. 2021.
[2] IEA. Net Zero by 2050. Disponível em: https://www.iea.org/reports/net-zero-by-2050. Acesso em: 25 jul. 2021.
[3] GLOBAL CCS INSTITUTE. CCS Tech and Costs. Disponível em: https://www.globalccsinstitute.com/wp-content/uploads/2021/04/CCS-Tech-and-Costs.pdf. Acesso em: 25 jul. 2021.
[4] IEA. About CCUS. Disponível em: https://www.iea.org/reports/about-ccus. Acesso em: 25 jul. 2021.
[5] GLOBAL CCS INSTITUTE. IN THE FIGHT AGAINST CLIMATE CHANGE, CARBON CAPTURE AND STORAGE (CCS) IS A GAME-CHANGER. Disponível em: https://www.globalccsinstitute.com/wp-content/uploads/2021/01/Global-Status-of-CCS-Factsheet-English.pdf. Acesso em: 25 jul. 2021.
[6] CO2RE. Facility Data. 2021. Disponível em: https://co2re.co/FacilityData. Acesso em: 25 jul. 2021.
[7] IEA. CCUS in the transition to net-zero emissions. Disponível em: https://www.iea.org/reports/ccus-in-clean-energy-transitions/ccus-in-the-transition-to-net-zero-emissions#abstract. Acesso em: 25 jul. 2021.
[8] PLATTS. Hydrogen Scaling up the clean fuel of the future. Disponível em: https://storymaps.arcgis.com/collections/1e05ebf390554cb8b7cefa80e521afda?item=3. Acesso em: 22 jul. 2021.
[9] INSTITUE, Global CCS. BLUE HYDROGEN. Disponível em: https://www.globalccsinstitute.com/wp-content/uploads/2021/04/CCE-Blue-Hydrogen.pdf. Acesso em: 22 jul. 2021.
[10] IEA. Latin America’s hydrogen opportunity: from national strategies to regional cooperation. 2021. Disponível em: https://www.iea.org/commentaries/latin-america-s-hydrogen-opportunity-from-national-strategies-to-regional-cooperation. Acesso em: 13 ago. 2021.